Lideranças indígenas e não-indígenas prestigiam abertura do curso de Enfermagem Intercultural Unemat/Faindi
Por Danielle Tavares
14/11/2023
Uma universidade em que os saberes ancestrais de pajés, benzedeiras, curandeiros e parteiras integram os currículos, juntamente com conhecimentos acadêmicos científicos, de forma a construir um novo modelo de cuidado com a Saúde. Essa é a proposta inovadora do curso de graduação em Enfermagem Intercultural Indígena, pensado especificamente para atender às necessidades e demandas das populações originárias.
A iniciativa pioneira é da Universidade do Estado do Mato Grosso, por meio da Faculdade Indígena Intercultural (Faindi/Unemat), localizada no município de Barra do Bugres (164 km da capital Cuiabá). A aula inaugural ocorreu nessa segunda-feira (13/11), e reuniu lideranças indígenas, políticas e acadêmicas.
“Somos aqueles que deram as mãos a todas as lideranças indígenas do Estado, do País, com todas as instituições de saúde, federal, estadual e municipal, com conselhos de classe, com as instituições indígenas, com o controle social para construir uma Enfermagem que integra a mais alta ciência ocidental, baseada em evidências, com os cosmovalores e os saberes indígenas transmitidos desde tempos imemoriais. Contra resultados não há argumentos: hoje começamos o primeiro curso de Enfermagem exclusivo para indígenas”, declarou Ana Cláudia Trettel, enfermeira e coordenadora do curso.
PIONEIRISMO
No total, são 50 vagas destinadas exclusivamente à formação de pessoas pertencentes a cada uma das 46 etnias oficialmente reconhecidas em Mato Grosso. A expectativa é de que os futuros enfermeiros estejam aptos a ofertar assistência qualificada em atendimento às suas respectivas comunidades.
Presente na aula inaugural, o secretário de saúde indígena do Ministério da Saúde (Sesai), Weibe Tapeba, destacou que a Unemat conta com uma bem-sucedida experiência na oferta de graduação para professores indígenas, desde 2001. Segundo o secretário, à época, os cursos desenvolvidos pela Unemat estimularam e orientaram o Ministério da Educação a criar um programa de formação de docentes indígenas.
“A Unemat e o Estado de Mato Grosso têm demonstrado uma capacidade extraordinária de inovar e de apontar novos caminhos. O Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena destacou a necessidade de implantação de uma universidade indígena. Eu acredito que experiências como esta possam servir como uma espécie de incubadora, como um piloto, para que a gente consiga avançar. É uma ação inovadora e pioneira, que a gente espera que as outras universidades também possam, a partir dessa experiência, se estimular a implantar cursos nesta modalidade”, avaliou Weibe Tapeba.
A reitora Vera Maquêa lembrou que a Unemat faz educação superior voltada aos povos indígenas há mais de vinte anos. E, para além disso, é uma instituição que trabalha para que a universidade pública possa, de fato, atender a todas as pessoas indiscriminadamente.
“Nós temos uma dívida histórica, não só com os povos indígenas, mas também com os quilombolas, os ribeirinhos e as pessoas com deficiência. A Unemat é uma das universidades públicas que primeiro estabeleceu cotas no nosso país, antes mesmo de existir qualquer espécie de política nesse sentido. Hoje nós temos 60% das vagas oferecidas em todos os cursos dirigidas para ações afirmativas por meio de cotas”, destacou Vera.
Vanildo Ariabo Quezo representa 34 presidentes do Fórum do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi), órgão colegiado de assessoramento à Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI). Ele ressaltou a importância das próprias comunidades indígenas ocuparem os espaços de saúde, na condição de profissionais.
“Não se constrói nada sem o próprio olhar de quem está dentro. É uma formação diferenciada que vai respeitar a cultura do nosso povo, vai trazer o conhecimento tradicional e o conhecimento do mundo acadêmico. Então, eu acho que isso vai somar força e, junto, vai poder trabalhar uma saúde indígena melhor”, disse Vanildo (foto acima).
“Infelizmente, até hoje, passados tantos anos, ainda encontramos resistência para que os indígenas possam levar
para dentro do hospital os seus conhecimentos na área da medicina tradicional. Para
quem convive com os povos indígenas, sabe que eles dão aula para a gente: dão aula
de sobrevivência, dão aula de dignidade, dão aula de sabedoria”, afirmou o
deputado Dr. Eugênio, presidente da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos
Indígenas, onde vêm sendo promovidos debates sobre a saúde dos povos
originários.
METODOLOGIA DIFERENCIADA
O curso, com duração de cinco anos, é desenvolvido em dois momentos distintos. A Etapa Universidade é quando os alunos-indígenas vão a Barra do Bugres para participar de aulas teóricas, práticas de laboratório e preceptoria em Enfermagem.
Após esse momento, acontece a Etapa Aldeia, em que cada acadêmico retorna para seu local de residência e lá, apoiado por enfermeiros que já atuam nas conveniadas da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), desenvolve pesquisa, extensão, prática de campo e, posteriormente, estágio supervisionado.
A preceptoria vai do primeiro ao décimo semestre do curso, e inclui prática de campo, extensão, pesquisa e estágio supervisionado. Essa preceptoria conta com professores e enfermeiros dos serviços de saúde de Barra do Bugres, que vão recebê-los nas suas unidades de saúde, hospitais, Samu, para que eles possam vivenciar a realidade do mercado de trabalho.
INOVAÇÃO E TRADIÇÃO
Devolver o cuidado com a saúde à própria comunidade indígena, preparando profissionais enfermeiros para atuação no seu local de origem e, também, em qualquer outro serviço de saúde.
“Para nós, do Conselho Federal de Enfermagem, é com grande satisfação que construímos juntos esse momento único, mundial, da história da Enfermagem. Quando o Brasil ainda era só dos povos originários, antes que os portugueses aqui chegassem, quem cuidava dos povos originários? Os próprios povos originários. Então, nós estamos voltando ao tempo, resgatando historicamente esse cuidado e unindo a cientificidade do conhecimento com a cultura dos povos indígenas”, disse o presidente do Conselho Federal de Enfermagem do Brasil, Paulo Murilo de Paiva.
O estado de Mato Grosso assumiu a educação indígena como uma política pública, com apoio das secretarias de Educação, Saúde e de Ciência, Tecnologia e Inovação. Este curso conta com parceira da Secretaria de Estado de Saúde, que financia o projeto com um valor inicial de R$ 4 milhões.
O superintendente de Atenção à
Saúde da SES, Diógenes Marcondes, lembrou do verbo Esperançar, de Paulo Freire.
“Não é só ter esperança. Esperançar é fazer o que vocês estão fazendo frente
a todos os desafios e preconceitos: vocês, alunos deste curso, estão assumindo
o protagonismo da sua própria vida e de seus povos ancestrais”.
APOIO:
Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso, Área Técnica de Equidade/Saúde Indígena (Ses/MT); Ministério da Saúde - Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai); Fundação Nacional do Índio (Funai); Conselho Federal de Enfermagem / Comissão Nacional de Enfermagem Intercultural; Conselho Regional de Enfermagem de Mato Grosso; Conselho Estadual de Saúde de Mato Grosso; Conselhos Distritais de Saúde Indígena (Considisi): Cuiabá, Xingu, Araguaia, Xavante, Kaiapó e Vilhena; Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Desi): Cuiabá, Xingu, Araguaia, Xavante, Kaiapó e Vilhena; Parque Tecnológico de Mato Grosso e Prefeitura de Barra do Bugres.
Assessoria de Comunicação - Unemat
Contato:
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